A recente nota técnica da Controladoria Geral da União (CGU) não é um fato isolado: ela vem um pouco depois da divulgação de que o Ministério da Justiça elaborou um dossiê com uma lista de agentes públicos de segurança e professores universitários, identificados como “antifascistas” e considerados como uma ameaça pelo Governo Bolsonaro. O dossiê foi elaborado após o próprio presidente identificar o movimento antifascista como “terrorista”. A inversão de valores na elaboração desse dossiê do Ministério da Justiça é assustadora: um dos fundamentos para qualificar como “ameaça” um determinado grupo de policiais foi o fato de terem assinado um documento denominado “Manifesto de policiais pela legalidade democrática”, por ocasião do golpe de 2016. Ou seja, uma manifestação pela legalidade democrática, emitida por agentes públicos, está sendo utilizada pelo governo como subsídio para perseguição política a servidores. Isso tudo ao mesmo tempo em que os agentes do próprio governo invocam a “liberdade de expressão” para ataques a governadores e ao Supremo Tribunal Federal (STF) e para propagação de fakenews.
Essa deturpação do que é “liberdade” e do que é “ameaça” não é fortuita e faz parte de um contexto maior de desconstrução da cultura democrática.
Nesse contexto, não surpreende que a CGU, que é o órgão “responsável pela defesa do patrimônio público, transparência e combate à corrupção”, saia completamente da sua competência funcional e se preste à intimidação de servidores públicos, afirmando que estes poderão ser punidos em caso de manifestação crítica ao órgão que pertençam. É emblemático que se esteja praticamente criminalizando a crítica, pois esse governo é fruto da falta de crítica e não sabe enfrentar críticas com um mínimo de maturidade. A intolerância à mínima crítica (a ponto de não aceitar um manifesto pela legalidade e democracia) é típica do fascismo, que caminha a passos muito rápidos no nosso País.
Outra dimensão relevante desse ato da CGU é a desvalorização do servidor público, sendo esta apenas mais uma das situações em que o trabalhador do serviço público é tratado como inimigo do governo e apontado à população como inimigo público. Após serem chamados de “parasitas” e “inimigos” pelo governo federal, o amordaçamento dos servidores não é nenhuma surpresa. E é possível inclusive se especular se tal amordaçamento não faz parte de uma conduta cautelar do governo, para que protestos contra futuros ataques sejam silenciados.
Tais ataques não surpreendem, mas devem ser rechaçados com toda nossa energia, pois ofendem a cláusula pétrea da CF/88, contida no art. 5º IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Por isso, o Sindiquinze repudia qualquer forma ou tentativa de censurar ou constranger servidores públicos, que podem exercitar sua liberdade de expressão e opinião respeitando os limites legais. É urgente dar um basta nesta total inversão de valores, no qual verdadeiros absurdos vêm sendo ‘normalizados’ pela sociedade. O Governo, que se utiliza de fakenews em larga escala para impor sua ideologia, não pode usar da máquina pública, contrariando a lei.
NOTA TÉCNICA DA CGU
Uma nota técnica publicada pela Controladoria-Geral da União defende que a divulgação por servidores federais “de opinião acerca de conflitos ou assuntos internos, ou de manifestações críticas ao órgão ao qual pertença” em suas redes sociais são condutas passíveis de apuração disciplinar. O documento foi assinado no dia 3 de junho e é de responsabilidade da Coordenação-Geral de Uniformização de Entendimentos (CGUNE).
A nota é uma manifestação interpretativa da CGUNE “quanto ao alcance e conteúdo dos arts. 116, inciso II e 117, inciso V, da Lei nº 8.112/1990, visando, especialmente, promover a justa adequação destes às hipóteses de condutas irregulares de servidores públicos federais pela má utilização dos meios digitais de comunicação online”.
As principais conclusões do documento são:
A divulgação pelo servidor de opinião acerca de conflitos ou assuntos internos, ou de manifestações críticas ao órgão ao qual pertença, em veículos de comunicação virtuais, são condutas passíveis de apuração disciplinar;
As condutas de servidores que tragam repercussão negativa à imagem e credibilidade de sua instituição, na forma da alínea anterior, caracterizam o descumprimento do dever de lealdade expresso no art. 116, II, da Lei nº 8.112/90;
As responsabilidades estatutárias e éticas impostas ao servidor público atuam como circunstâncias limitadoras dos seus interesses privados, permitindo a sua responsabilização disciplinar por condutas irregulares praticadas na esfera privada, desde que estas estejam relacionadas às atribuições do cargo em que se encontre investido;
A solução de conflitos de entendimento e interesses que extrapolem a esfera comum dos debates de ordem interna deve, ordinariamente, ocorrer no âmbito do próprio órgão de lotação do servidor, por meio dos canais internos competentes;
A identificação funcional do servidor nas mídias sociais, por si só, não é motivo de responsabilização disciplinar, exigindo, além da efetiva divulgação do conteúdo, a verificação de impropriedades no teor das manifestações nele expostas, especialmente no que diz respeito à possível repercussão negativa à imagem ou credibilidade de sua instituição ou em relação aos demais servidores da casa.
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