De acordo com a professora Glaucia Fraccaro, a disputa está só começando: “o feminismo não é um movimento de ondas, nem um movimento de poucas”.
O Sindiquinze realizou, na última sexta-feira (11), um mini curso sobre feminismo com a professora da UFSC Glaucia Fraccaro que abordou o tema “Feminista, Logo Eu? A história de mulheres comuns na luta por direitos e igualdade”.
A conversa teve início com as possíveis definições do que significa ser feminista. A professora propôs que não se dê a ninguém a “prerrogativa de distribuir carteirinhas” e, por isso, adotou uma definição a partir das lutas, disputas e da própria experiência histórica das mulheres no dia a dia.
Em seguida apresentou a pergunta – “como as mulheres normalmente entram para a história” e indicou as três formas usuais: 1) por ser esposa amante ou companheira de um homem famoso; 2) por ser vítima de uma grande tragédia; 3) por ter conseguido alcançar feitos extraordinários. Nesse panorama, Glaucia reivindica um lugar para as mulheres comuns, trabalhadoras que lutam e pressionam por melhores condições de vida.
Sobre essas mulheres, Glaucia Fraccaro lembra o trecho do livro “Couro Imperial”, de Anne Mcclintock, com dados da década de 70. De acordo com a publicação, “as mulheres fazem 2/3 do trabalho, ganham 10% da renda e são donas de 1% da propriedade”. Grande parte desse trabalho é o denominado “trabalho de reprodução” ou de cuidado: roupa limpa, comida na mesa, cuidado de crianças ou doentes, traduzem uma enorme carga de trabalho que fica nas costas das mulheres, representando em média 24 horas por semana. Setenta por cento das mulheres brasileiras não têm carteira assinada, mas, mesmo assim, são chefes de metade das famílias.
É nesse contexto que a painelista questionou “de que adianta um feminismo que fale que a gente tem que gerenciar o capitalismo, sermos dirigentes de grandes empresas? Isso vai equiparar direitos, garantir a emancipação das mulheres?”. A historiadora recorda, então, da atuação de mulheres sindicalistas no Brasil nos anos 80, justamente para trazer para o centro da luta feminista a valorização desse trabalho de cuidado. Assim, para ela não há pauta mais feminista do que a pressão por essa valorização, traduzida também em auxílio emergencial, escola, creche, hospital, uma vez que a deficiência nesses setores recai quase sempre nos ombros das mulheres.
Glaucia afirma ser equivocada a narrativa do feminismo em “ondas”, como se fossem fenômenos temporários, quando na verdade a luta é constante e não conduzida apenas por concepções acadêmicas. “Não é possível hierarquizar quem pensa a sociedade e quem faz a luta cotidiana, o movimento, sob pena de se excluir as mulheres comuns da definição histórica do feminismo”.
Evitando a crítica ao “feminismo liberal”, por considerar que o problema não é propriamente dessa vertente, mas sim de uma ideologia que permeia toda a nossa sociedade, Glaucia ressalta que “há muito mais no movimento feminista do que polêmica, o que constitui o movimento não é a polêmica”.
Na verdade, o feminismo é uma prática política e, como tal, depende de debates para a transformação da sociedade. Assim, a divergência é fundamental, mas não define o movimento. Assim como não se fala em “sindicalismos” apenas por causa das diferenças de condução política, não é pertinente falar em “feminismos”. A disputa política faz parte, porque são “sonhos diferentes de emancipação”.
Respondendo a uma pergunta sobre a existência de uma “consciência feminista”, Glaucia diz que “desde que haja um projeto de emancipação das mulheres, mesmo que as pessoas não digam “eu sou feminista”, isso conta para a disputa política”, ou seja, é possível uma prática feminista sem que a pessoa se defina como tal.
São centrais as lutas por não morrer por ser mulher; ter direitos iguais; ter hospitais, creches e valorização do trabalho de cuidado. É preciso valorizar o cuidado, e não abrir mão dele, porque é uma dimensão incontornável das nossas vidas e tem que ser reconhecida na sociedade.
Ao final, a professora indicou os pontos que considerou mais importantes. “O feminismo: – é um campo político e como tal é permeado por disputas; – há mais do que polêmicas, o que existe é uma luta por direitos, cotidiana e histórica, de mulheres comuns também; – o feminismo não é um movimento sazonal de “ondas”, ele é um movimento contínuo, que faz parte da experiência das mulheres”.
Segundo a diretora do Sindiquinze Maria Sônia Faria, o mini curso foi muito interessante, “considerando a constante evolução do conceito de feminismo, é necessário acompanhar essas mudança, nos aperfeiçoando a cada dia na luta pelos nossos direitos como mulher e também na luta pelos direitos de todas as minorias”, avalia.
A aula com a professora Glaucia Fraccaro permanece disponível no canal do Sindiquinze no Youtube e pode ser assistida AQUI
Por Caroline P. Colombo
419total visits,2visits today
Deixe um comentário