“Eu só tenho perguntas. As repostas construímos juntos”. Com essa frase, a servidora do TST e especialista em gestão, Ana Claudia Braga Mendonça, provocou inquietação aos servidores que assistiam sua palestra no Encontro Estadual da Justiça do Trabalho, realizado no último sábado, dia 24 de agosto, na antiga sede do Sisejufe-RJ, no centro do Rio. O Presidente do Sindiquinze e Coordenador-Geral da Fenajufe, Zé Aristéia, também palestrou no evento, que é preparatório para o Encontro Nacional dos Servidores da Justiça do Trabalho, aprovado no 10° Congrejufe, e que será realizado nos dias 26 e 27 de outubro, em Brasília.
Conduzido pela coordenadora da Fenajufe e diretora do Sisejufe, Lucena Pacheco, a mesa de abertura do evento destacou os diversos ataques que a categoria tem sofrido. “E não é só na Justiça do Trabalho, mas para os trabalhadores em geral. O serviço público, com a Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos) teve muito prejuízo. Por isso é importante que a gente esteja aqui discutindo e traçando estratégias para enfrentar os ataques que já sofremos e os que ainda vêm pela frente”, ressaltou Lucena.
Para o diretor do sindicato Amauri Pinheiro, o momento de construir a unidade é agora. “Essa reunião tem um fato muito especial porque estamos quebrando uma rotina. A gente tem trabalhado exclusivamente na programação do governo. Ele faz algo e a gente reage. Aqui estamos antecipando o debate. O presidente (Bolsonaro) já disse que se houver clima, vai extinguir a Justiça do Trabalho”, alertou.
Amauri lembrou que a Reforma Trabalhista já trouxe impactos ao funcionamento da Justiça do Trabalho, assim como a Resolução 219 – que dispõe sobre a distribuição de servidores de cargos em comissão e de funções de confiança nos órgãos do Poder Judiciário – e a Resolução 63. Esta última, segundo o sindicalista, pode vir a tratar de servidores excedentes, o que representará mais um risco ao funcionalismo. “Ou reagimos já ou podemos ser exterminados. Então, hoje é o marco da construção deste movimento”, acrescentou Amauri, na mesa de abertura, que foi composta ainda pelo coordenador da Fenajufe e diretor do Sisejufe, Ronaldo das Virgens, Zé Aristéia, e pela assessora política do Sisejufe, Vera Miranda.
RESIGNIFICAR CONCEITOS
A gestora Ana Claudia falou sobre as relações de trabalho e o futuro da JT. Para ela, é preciso resignificar conceitos neste momento de incertezas. “Talvez a gente tenha que mudar para acompanhar os novos tempos. Fake news é um risco. A gente fica consumindo só coisas rasas e não se aprofunda em nada. Temos dificuldade de prever o que vai dar certo daqui a um ano. A gente não tem clareza sobre muitas coisas, por exemplo, o que o servidor quer. Falo do aspecto da gestão de pessoas. O que motiva o servidor a acordar para ir trabalhar? Qual vem sendo a nossa atuação como servidores da JT nesse cenário? Quem é nosso Público? Para quem trabalhamos? Nós trabalhamos para os trabalhadores e não sabemos o que deseja nosso usuário. Esse é o valor do serviço público. É nesse sentido que devemos resignificar nosso trabalho”, apontou.
Ana Claudia diz que é preciso descobrir onde está a liderança. “É nela que podemos buscar apoio e dizer: hei, queremos mudar. Temos que começar a chamar nossos gestores. Parece que eles estão num patamar que não se pode falar com eles. Isso tem que mudar. Podemos sair daqui com as melhores estratégias, mas se a gente não chegar e tocar o coração para esse propósito, vai devorar toda estratégia que a gente traçar”, afirmou.
A servidora do TST chamou os presentes a outra reflexão: “em vez de dialogar, a gente faz uma norma, uma Lei, uma resolução. A gente tem esse ranço. O quanto a gente faz aqui dentro o que reclama que fazem lá de fora conosco? As pessoas ficam na zona de conforto, acomodadas e viram zumbis corporativos. A gente tem que reagir e chamar as pessoas para o protagonismo”, disse.
REVER ESTRATÉGIAS
Para Ana Claudia, é preciso se questionar também em relação às estratégias. “A gente vem usando a mesma estratégia há anos. Não seria a outra de pensar outra estratégia? Erros e fracassos são bons para ver o que não está legal. Nossa estratégia poderia envolver o CNJ? Será que não temos que ouvir os tribunais superiores? Quem é nossa rede de apoio? Pelo que estamos lutando e a que custo estamos lutando por isso? É preciso entregar melhor ao cidadão para que ele perceba que a categoria tem valor. A gente precisa deles lutando junto com a gente”, opina a especialista.
“A gente é uma alma humana tocando outra alma uma alma humana. Temos que pensar e tocar as pessoas e fazer uma onda positiva”, concluiu sua fala.
CENÁRIO PREOCUPANTE
O representante de base do Sisejufe e servidor do TRT-RJ João Victor Albuquerque, mostrou como a Emenda Constitucional 95, o fim da estabilidade do servidor público e outras ameaças impactam a Justiça do Trabalho e o Judiciário Federal como um todo. Para o sindicalista, o cenário é dos piores. “Quero alertar para o desmonte da Justiça do Trabalho. O termo é esse mesmo. A EC 95 vem num contexto pós-impeachment de redução do Estado. Ela não é somente o controle dos gastos públicos. A população embarcou numa narrativa midiática de que a Emenda 95 seria importante para controlar os gastos públicos, o que dificultou muito o nosso lado, de explicar que a EC 95 não tem por condão controlar os gastos públicos, mas p grande objetivo é implantar no Brasil o Estado mínimo. A emenda não é uma trava Constitucional que controla gastos. Na verdade, ela reduz a participação dos serviços públicos no orçamento da União. Ela dissocia a relação arrecadação-despesa. O Brasil é o único país que dissocia despesa de receita”, informou João, alertando que a emenda do teto dos gastos pode durar até 20 anos.
João fez um panorama sobre os efeitos da EC 95 na vida do servidor da JT e disse que os efeitos piores ainda estão por vir. Ele explicou que, na questão dos salários, por exemplo, o gasto com pessoal já representa 90% da receita. E que por diversos fatores associados, o contingenciamento dos gastos acabará por inviabilizar na origem a data-base: “ela acaba com o sonho da data-base porque se eu tenho um crescimento vegetativo e acrescentar a inflação, vai estourar a meta”.
“Estamos diante de um contexto de desmonte da JT porque para alguns ela não deveria nem existir. A JT teve cortes e cogitou-se a possibilidade de fechar, mas houve uma recomposição no orçamento adequando as contas. Mesmo assim, para um grupo a ideia é apequenar a Justiça do Trabalho. E há servidores que acham que isso não representa um risco, já que poderiam ser absorvidos pela Justiça Federal. E eu digo: não tem como a JF absorver o pessoal da JT diante de uma eventual extinção, já que ela é infinitamente menor”, garantiu.
FIM DA ESTABILIDADE
Com gráfico detalhados, João Victor abordou ainda temos polêmicos como a redução dos salários diante da redução de jornada e o fim da estabilidade do servidor. “Em relação ao fim da estabilidade, a dúvida é se vai atingir só servidores novos ou também os antigos. O Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados) tem dito que a ideia é atingir só os novos, porém ele disse em entrevista que um ministro do STF teria dito que não teria problema se também atingisse os antigos”, disse.
Diante desse cenário, o representante de base finaliza sua palestra com alguns questionamentos: Sobreviveremos a esses ataques? A JT será extinta? Somos e seremos a última geração de servidores públicos com estabilidade? “É sobre isso que a gente tem que refletir”, disse.
CENÁRIO DE CORTES EM 2020
O Presidente do Sindiquinze encerrou o debate com o tema “Defesa da JT pelo olhar dos servidores”. O dirigente lembrou que os ataques à Justiça do Trabalho vieram de forma coordenada e que o custeio vem sendo corroído para dar suporte ao corte orçamentário. “Já bateu à porta para cortar direitos dos servidores, como o custeio de saúde e benefícios em 2020. E a tendência é mexer nas FCs. Caminhamos para esse cenário”, disse ele.
Para Zé Aristéia, é preciso reagir e a solução passa pela luta nacional. “Que a gente busque colocar no hall das nossas lutas, como prioridade, derrubar a EC 95. E a questão não se limita à Justiça do Trabalho, mas compromete o conjunto do serviço público. Somos parte deste processo, mas temos que fazer esse debate com a sociedade para que abracem nossa causa”.
“Aqui apontamos o problema. A construção da solução vai se dar no tempo. Estamos passando esse processo dentro das instituições. Temos um processo de mudança do fazer acelerado. Vemos instituições ruírem. O serviço público não passará incólume nisso. A visão de ‘ter uma carreira para me aposentar aqui’ não vai mais acontecer. A Fenajufe, em conjunto com a categoria, tem o desafio de se organizar e construir caminhos de enfrentamento capazes de reverter esse quadro que está dado para nós”, concluiu Zé Aristéia.
Com informações do Sisejufe-RJ
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